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A história além das placas...

A História da EPE contada a partir das placas dos anfiteatros

Escrito por: Aline Moura Lopes,  Letícia Santos e Julia Porto S. D'Arienzo.

O Observatório Institucional da EPE e o Museu Digital da EPE, apresentam  o projeto “A História da EPE contada a partir das placas  dos anfiteatros" composto por uma série de quatro vídeos no Instagram (@epeunifesp) e uma publicação aqui no nosso Blog, em que  investigamos a história por trás dos nomes que nomeiam os anfiteatros, ou registrados nas placas presentes na entrada destes compartimentos: Mariana Fernandes, Marianna Augusto, Laís Helena Ramos e Rosa Aparecida Pimenta Castro. 

Quem foram estas docentes, qual foi a sua importância no passado e qual foi o legado que deixaram para nós?

Entende-se que a História Institucional é viva, acontece no cotidiano das atividades administrativas, no ofício dos docentes, na presença e ações dos discentes e todos aqueles que compõem uma universidade. Portanto, nosso objetivo é apresentar a trajetória de quatro professoras que, no cotidiano de seus ofícios, nas tensões e movimentos próprios das relações, nos possibilita adentrar, mesmo que parcialmente, na História da EPE, evidenciando o entrelaçamento entre história de vida e História institucional.

O Observatório InEPE e o MD-EPE pretendem dar visibilidade às histórias de agentes que contribuíram e atravessaram a História Institucional da EPE, essa tarefa foi possível a partir da investigação realizada no acervo do Observatório, das entrevistas coletadas para a realização do livro Memórias do Cuidar - Setenta Anos da Escola Paulista de Enfermagem, do acesso ao Centro de História e Filosofia das Ciências da Saúde e da leitura de bibliografia que nos auxiliou na compreensão de conceitos como História e Memória Institucional voltados para o âmbito universitário.

Provavelmente, você que nos lê, já notou que escolas, ruas, teatros levam o nome de indivíduos que muitas vezes não conhecemos, e já deve ter se perguntado quem foram  essas pessoas e o porquê de seus nomes terem sido escolhidos. Fizemos este mesmo exercício e fomos investigar quem foram as quatro docentes que nomeiam os anfiteatros da EPE. 

Ao questionar a nomeação dos espaços, deve-se considerar também, as relações de poder e o discurso imbuídos nesse processo, ou seja, quem tem o poder de escolher e quem deverá ser lembrado e homenageado. A nomeação é um movimento de consagração de uma determinada narrativa histórica do passado, nesse caso, institucional.  Isto posto, a escolha dos nomes dos anfiteatros se apresenta para nós pela atuação de impacto das docentes junto à instituição, a trajetória acadêmica destas se mescla junto à História da EPE.

Observamos que no cotidiano da vida universitária da EPE, nem todos sabem quem foram as quatro professoras. Podemos pensar que a falta da manutenção da mensagem, ou discurso, que as placas e as fotografias queriam transmitir se perderam ao longo do tempo. Embora não estejamos tratando de um monumento, os anfiteatros são espaços que contemplam a vida cotidiana universitária e faz com que tais nomes e memórias sejam evocados.

Para  Le Goff (2016) “a memória como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas”. Já para Icléia Thiesen (2013) a memória institucional é um recurso de suma importância no funcionamento de uma instituição, segundo esta autora “as relações saber-poder passam por um processo de institucionalização e suas raízes e mutações se encontram na história” (Thiesen, 2013, p. 32). 

Portanto, falar das micro-histórias das vivências dessas mulheres é falar também de alguns aspectos da História Institucional  da EPE, pois para haver instituição é preciso haver corpo, gênero, cor, tensões, vivências e trajetórias individuais ou não, no âmbito coletivo. 

É um dos nossos objetivos, também, desnaturalizar o olhar desses espaços que são vivenciados na perspectiva do cotidiano, lugar comum, mas que é possível trazer à borda os enredos da Memória e História da instituição com corpo, ritmo, tensão, sentimento,  com dinâmica para além de uma placa fria. 

Achamos pertinente, para localizar o leitor, uma breve descrição do prédio em que se encontram os anfiteatros.  O edifício que hoje abriga a EPE foi construído em 1972  e possui quatro andares. No andar térreo encontram-se a recepção, o acesso aos andares superiores, banheiros, acesso para os anfiteatros, gazebo, jardim, copa, refeitório e espaço de vestiário. No térreo, na área de jardim, é que estão alocados os quatro anfiteatros. Cada um deles recebe o nome de uma enfermeira e docente que contribuiu significativamente para a trajetória de lutas e vitórias da EPE. 

Mariana Fernandes de Souza

A primeira história é da professora Mariana Fernandes de Souza, carinhosamente chamada de Marianita. A professora Mariana Fernandes de Souza nasceu em 1932 no sul de Minas Gerais. Ela relata que a motivação para tornar-se enfermeira se deve a sua infância, já que, ao morar na fazenda, cuidava das pessoas e dos animais doentes. Era um desejo audacioso e impensável para o contexto e para a época em que viveu, seguir o caminho da enfermagem, mas, ainda assim, por influência de uma professora de sua cidade, e com autorização de seus pais, conseguiu vir para São Paulo para estudar na Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo, uma das primeiras instituições de ensino de enfermagem da cidade de São Paulo, atualmente conhecida como Escola Paulista de Enfermagem (EPE) na época com direção da Arquidiocese de São Paulo. 

Ela ingressou em 1957 e se formou em 1960, seus estudos não pararam por aí, se especializou em Pedagogia e Didática na Universidade de São Paulo (USP). Após concluir o curso de enfermagem, começou a atuar como professora na Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo, na disciplina de Fundamentos de Enfermagem e Enfermagem Médico-Cirúrgica. Na década de 1970 cursou mestrado em Fundamentos de Enfermagem na USP (período em que surgiu a pós-graduação no Brasil), em 1977 concluiu o doutorado em Ciências e a livre docência em Enfermagem na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A professora Mariana Fernandes exerceu cargos de gestão e com sua atuação contribuiu para a visibilidade e crescimento da EPE. No período de 1970 a 1976 foi vice-diretora da Escola Paulista de Enfermagem e de 1974 a 1976 foi diretora da Divisão de Enfermagem do Hospital São Paulo. Na década de 1980, foi vice-diretora do Departamento de Enfermagem, ganhou bolsa CAPES e foi para os EUA fazer pós-doutorado, ao retornar para a instituição em 1989 tornou-se a  primeira professora titular da Escola de Enfermagem e  continuou lecionando mesmo depois de aposentada. Na década de 1990, participou ativamente da luta pela implantação do curso de Doutorado em Enfermagem e exerceu a coordenação do curso de mestrado em enfermagem na saúde do adulto.

Conta em entrevista realizada em 2008 para o livro Memórias do Cuidar,  das lutas que ela e suas colegas de profissão empreenderam  no campo político, a presença nos Congressos de Enfermagem Obstetrícia e no apoio na luta pela implementação da pós-graduação na Escola.

Marianna Augusto

A trajetória de Marianna Augusto na  Escola iniciou  entre 1940/1941 e, ao fim do curso, assumiu o cargo de enfermeira-chefe da Unidade de Internação Pediátrica do Hospital São Paulo, onde foi responsável pelo estágio prático das alunas da EEHSP. 

Nos anos de 1950 foi à França para a especialização em pediatria, puericultura e pediatria social na Faculdade de Medicina da Universidade de Paris. Ao retornar para a EPE, a Professora Marianna se sensibilizou com as professoras que não tinham com quem deixar seus filhos para trabalhar e, assim, fundou a Escola Paulistinha que nasceu em uma sala do departamento de Enfermagem. O sucesso foi tamanho que recebeu apoio institucional e recursos financeiros para ter espaço próprio e se tornar a Escola Paulistinha de Educação e da implementação da pós-graduação em pediatria na instituição.

Marianna Augusto exerceu grande influência na pediatria social e com a sua expertise criou o primeiro curso de mestrado em Enfermagem da instituição na área de Enfermagem Pediátrica em 1978, mesmo com as tensões, preconceitos contra as enfermeiras e as oposições, o projeto foi aprovado e “considerado um exemplo para abertura de outros cursos da Unifesp”. Com a federalização da Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo (EEHSP), atual Escola Paulista de Enfermagem da UNIFESP, houve a troca da direção que antes era religiosa, composta pela Congregação das Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria, por uma nova direção leiga. Esta mudança corroborou para o desenvolvimento científico, haja vista, iniciou-se o programa de pós-graduação stricto sensu, a nível mestrado.

Foi docente na área de Enfermagem Pediátrica, esteve comprometida com as atividades desenvolvidas no Amparo Maternal e na organização e funcionamento de espaços criados pela madre Domineuc, como a Comunidade Sabiá (ou Centro Familiar Vigiado), destinado às mulheres solo que não tinham onde residir com seus filhos. 

Esses espaços de atendimento às mulheres e crianças em vulnerabilidade social, contribuía para a formação social dos alunos da EPE, por serem lugares de estágio e de intenso aprendizado. Os trabalhos realizados no Amparo Maternal e na Comunidade Sabiá garantiram a formação qualificada dos futuros enfermeiros, juntamente com os estágios realizados no HSP e na EEHSP. A professora Mariana Augusto, enfatizava que os trabalhos realizados no Amparo e no Sabiá  complementavam a formação iniciada no HSP e EEHSP. 

Marianna Augusto liderou a criação do curso de especialização em Pediatria e Puericultura, destinado a assistentes sociais, psicólogas, nutricionistas e outros profissionais da área da saúde que participavam da assistência à criança. A iniciativa pioneira do curso de especialização fomentou o surgimento de outros cursos, tornando a EPE uma instituição forte em formar enfermeiros especialistas. O curso de graduação e as especializações utilizavam como campo de formação prática e social o Amparo Maternal e o Jardim Sabiá, instituições destinadas à população pobre. Acresceu-se a elas a Comunidade Infantil da EPE e atualmente Escola Paulistinha de Educação Infantil, destinada aos filhos de docentes e funcionários da Escola e do HSP. 

Hoje conhecida como Professora Marianna Augusto deixou um legado importante na pediatria social, nos cursos de especialização, mestrado e doutorado, além de uma contribuição imensurável para a sociedade, especificamente, às mães com crianças na primeira infância em extrema vulnerabilidade social.

Laís Helena Ramos

Lais Helena Ramos nasceu em 1938, na cidade de Bauru. Sua história com a enfermagem iniciou a partir  da sua atuação como voluntária no Hospital São Paulo entre os anos de 1965 e 1967, período em que foi convidada para ingressar no curso de enfermagem da Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo. Após concluir o curso, trabalhou no HSP por três anos e em 1973 cursou a especialização na Faculdade de Saúde Pública da USP,  fez o mestrado e doutorado na mesma instituição, sendo este último na linha de ensino e administração (Administração em Saúde Pública). Dentre todo seu percurso acadêmico, a Professora Laís Helena foi chefe da diretoria de enfermagem do HSP, trabalhou na área de Saúde Pública da Escola, chegando a ser chefe da disciplina.

No período em que a Professora Laís Helena Ramos esteve na direção do Departamento de Enfermagem da EPM (1982-1988/1991-1994) foi implantado o mestrado em Enfermagem Obstétrica credenciado em abril de 1984 e em 1986 teve início o curso de doutorado em Enfermagem Materna Infantil. A docente foi Vice-Chefe do Departamento de Enfermagem da Escola Paulista de Medicina entre 2006 e 2008.

Em entrevista realizada em 2008 para o livro Memórias do Cuidar, relata que batalhou durante sua trajetória profissional  pelo aumento da carga horária de Saúde Pública no currículo de enfermagem. Quando trabalhou no Conselho Federal de Enfermagem, a professora Laís Helena participou de inúmeras reuniões na confecção e na modificação do currículo de 1994,  durante a terceira e a quarta modificação do currículo de enfermagem.

Esta professora foi um exemplo para área da enfermagem em saúde pública, com defesa na atuação dos estudantes de enfermagem nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) para conhecer a realidade da sociedade.

Rosa Aparecida Pimenta Castro

Por fim, vamos à história de Rosa Aparecida Pimenta Castro. A professora Rosa Aparecida, nasceu em 1940 na cidade de São Paulo.  Ingressou no curso de enfermagem em 1963 e concluiu em 1965. Ela relatou que o desejo para ingressar no curso de enfermagem surgiu devido a influência dos filmes de hospital. Enquanto aluna, descreve que “se metia em tudo”, participou das atividades do Centro Acadêmico, das atividades científicas como eventos e congressos científicos nacionais e internacionais. Dois anos depois de formada, foi convidada pela madre Áurea para atuar como docente na Escola de Enfermagem e enfermeira do Hospital São Paulo (HSP). A professora Rosa Aparecida relata que cursou  a  especialização em Pedagogia e Didática para desenvolver-se como  professora. Nesse período, ela continuou trabalhando no Hospital São Paulo.

A Professora atuou por muitos anos como enfermeira, pois acreditava que para ensinar, precisava ter prática e assim, os formandos tinham qualidade no ensino por conhecer e aprender a partir da realidade. Uma curiosidade é que nesta época ela concluiu o Conservatório de Piano e a faculdade de turismo, pois reconhecia a importância do lazer para a contemplação das  necessidades humanas básicas. Na Escola, lecionou na disciplina Fundamentos de Enfermagem. Entre a década de 1970 e 1980, assumiu como diretora do departamento de Enfermagem. Teve papel fundamental na inserção e no incentivo do corpo docente à participação na política institucional, além de lutar arduamente para ter a classe de professores titulares no departamento de Enfermagem. A professora Rosa Aparecida também esteve envolvida, sendo de importância sua atuação, na ampliação das áreas de concentração da pós-graduação stricto sensu e na criação de um periódico científico.

No início da década de 1990, a professora Rosa Aparecida se direcionou para a área da oncologia, assim, juntamente com o grupo de enfermeiras do Hospital e com a professora Maria Gaby Rivero de Gutierréz, criaram o Núcleo de Enfermagem e Oncologia e em seguida à criação do Grupo Multidisciplinar de Oncologia.

Em 1999 Rosa foi indicada para ser diretora do Departamento de Ações Comunitárias e assim ficou quatro anos como chefe desse departamento. Terminou suas atividades na UNIFESP formalmente em julho de 2003 e tecnicamente em agosto de 2003. Nesse período, a docente teceu esforços para melhorar o letramento dos funcionários da UNIFESP e ofertar vagas para a comunidade externa para os telecursos, além de atuar na garantia de recursos para a Escola Paulistinha de Educação Infantil.

A partir da investigação realizada sobre as docentes, nota-se que a História Institucional é dinâmica, precisa ser vista para além de fatos lineares e frios, pode ser enxergada pelas narrativas de agentes que a atravessam, pelo movimento próprio da vida que acontece. As professoras aqui apresentadas tiveram um papel importante na organização e estruturação da EPE, na enfermagem brasileira e mundial. A trajetória acadêmica de cada uma delas se inserem também em um contexto histórico e social das lutas da educação, em especial, do ensino superior no país. Trata-se de placas com seus nomes no presente, mas que revelam tensões, conquistas, promessas do amanhã, iniciadas em um contexto árduo para ser mulher e enfermeira nos espaços de saber. 

Referências Bibliográficas:

BARBIERI, Márcia; RODRIGUES, Jaime (Ed.). Memórias do cuidar: setenta anos da Escola Paulista de Enfermagem. SciELO-Editora Fap-Unifesp, 2010.

Cagnacci, Carolina Vieira. Processo de federalização da Escola Paulista de Enfermagem. São Paulo, 2013. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de São Paulo. Escola Paulista de Enfermagem. Programa de Pós-graduação em Enfermagem

COSTA, Icléia Thiesen Magalhães. Memória institucional: a construção conceitual numa abordagem teórico-metodológica. 169 f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Universidade Federal do Rio de Janeiro / Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, Rio de Janeiro, 1997.

Le Goff, Jacques. História e Memória. Tradução Bernardo Leitão [et al.]  - 7ªed. revista - Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2016. 

Prado, S. do, Gracioso, L. de S., & Costa, L. S. F. (2019). O papel da memória institucional para a gestão universitária: contribuições para a consolidação da UMMA na UFSCar. Informação & Informação, 24(3), 409–432.


Site Acessado: https://cehfi.unifesp.br/bmhv/historias-de-vida/file/96-entrevista-rosa-aparecida-pimenta-de-castro